sábado, 4 de novembro de 2017

Despertei com o barulho da tempestade,
lá fora também chovia,
gotas robustas que se deitam nos fios dos postes
nos telhados de barro da vizinha,
no peito que ressonava, e pela estrada de chão da rua de baixo.
A mesma chuva que lava, formava o barro,
que pisou um senhor trôpego ainda as sete da manhã,
e seu caminhar parecia uma conversa cheia de pontos e vírgulas,e bem no dobrar da esquina, caiu na valeta.
Aqui janela adentro, também na esquina da garganta,
caiu na valeta a palavra que embebedou-se a noite toda.
Tento entender o uivar dos boêmios depois de tanta lua cheia.
Mas assim, na valeta viscosa das tempestades, toda fala parece coaxar.
_
Aprendi a conversar com os sapos que já engoli.

Caligrafia de retorno

Nossos traços estão um pouco mais inclinados nas linhas,
desenhados bonito, nesse caderno de folhas recicladas que iniciamos.
Nem parecem aqueles garranchos,
que nos surpreendeu nas últimas páginas do antigo.
Por vaidade, podíamos incinerar escritos passados já tantas vezes rasurados, e assumir um iconoclasmo com o que já escrevemos?
Se não fossemos tão autobiográficas com essas vivências afetivas, quem sabe...
Se não fossem as letras que alimentam e ficam depois em pedaços, nos dentes do tempo.
Se não fossem ainda, aqueles trechos que ardem sem queimar...
Que bom que há ainda, tinta vermelha em nossas canetas,
registrando esse rubro afeto à nossas escritas.
Que linda tua letra, me passando a limpo.
Em suma, ser.
Esse intransponível pinicante,
que ignora a malemolência e a coceira pois não há desvio.
Há uma lista riscada em cima, de desculpas pedidas,
e outra ainda esperando o tempo certo ( como se soubesse quando), sentada.
Doí as vezes, fino, como corte de papel sulfite A4,
pego num momento desatento de fissura por rabisco.
Em suma, ser.
O pavoroso belicoso que insiste em brandar bandeiras brancas,
na tentativa de ser aceita, aceita, aceita.
Eu que sou cada vez menos cabível, preenchendo com essa existencia proporcional,
espaços cada vez menores...
Choro, lavo e seco, planto e colho das minhas terras internas,
e vou tentando ser autossuficiente, orgânica, verde antes de madura.
Ser semente desconhecida e acreditar que dessa vez vão brotar flores ou frutos.
Se não, tem outras estações,
e outras...
E eu ainda, que não me parto,
e vivo tentando dar alguma luz.
_
Riscando mais uma desculpa, diante do espelho da sala.
Descompassada,
é tão difícil fechar ciclos
dar por encerrado
aquela volta imensa, e...
olha só onde paramos.
O lado-a-lado é tão bonito.
mesmo de ponta-cabeça.
_
vamos de novo?
_
(Fim do mercúrio retrógrado
ou lua em peixes
ou kamikaze
ou nada demais)

Afrontosa

Fica atenta menina, com essas palavras de lote carpido,
em mãos de veludo,
cheia de dedos e repulsas às bolhas que te afligiram.
Verão só os pulgões dos teus ramos, ignorando o abrir dos botões.
O povo anda moldado, e podem começar a adentrar as costuras da tua poesia puída,
e desgastar ainda mais, os já gastos dos teus versos estreantes.
Vão recortar pequenas tolices das suas obras de arte, e te pintar de demônia-escarlate,
destacada cintilante em qualquer muro cinza.
Fique atenta mas não renda, suas rendas, bordões e bordados à desalmados focados em purificar almas.
São muitos os que pregam o amor a verdade e a vida, que não são seus.
São muitos que querem arte e pele na fogueira,
mulher e criação restrita a forno e fogão.
Se cair, volte pior.
Desenhe a mão, bem bonita, uma bandeira com a tua cara.
Hasteie alto, bem alto, mais alto.
Resista.

Inquilinas

Duas pessoas habitam meu cerne
duas mulheres, com malas abarrotadas por serem.
Uma delas está terrivelmente assustada, quer chá e sono, fechar os olhos.
A outra tá armada até os dentes, seu sorriso também luta, quer visão de bicho noturno.
Duas gêmeas siamesas atadas pelas mãos.
Nada tocam sozinhas.
Eu emudeço quando elas discutem dentro de mim, quero fechar as janelas, pra quem me avizinha não ouça.
As vezes não dá tempo, ambas querem muito ar circulando.
E eu, casa frágil dessas mulheres, tento protege-las das tempestades.
Tenho goteiras, sei que preciso de algumas reformas.
Quando elas dormem depois, tiro proveito do sol que me seca.
Parece tão simples.
Parece tão óbvio.
Parece tão "feijão com arroz".
Parece tão comum...
Eu já falei tão simples?
Pois parece isso.
O outro!
Esse que passa na rua.
Aquela que tá na sua frente na fila do mercado.
outro que tu gestou e hoje dorme no quarto ao lado, e ainda assim é outro.
Outra que deixa a marca da digital no mesmo lugar que você deixou a sua,
juntas deixam ali oito horas por dia.
O outro inteiro ali, e aquela do lado daquele outro.
Todos outros que vivem suas outras vidas, que só a eles e elas pertence.
Outra, dos sapatos, aos pés, aos passos.
Outra pessoa, que espero que ame outra pessoa,
que espero que essa corresponda... Acho bonito!
Até fazem filmes e livros que vão se desenrolando nisso, né?
Vidas partilhadas, amor, serotonina, dos outros,
sim...Acho bonito!
Não me confronta nem me compete julgar as métricas e as poéticas do que não passa no meu peito.
Sei lá....Parece tão simples...
O amor do outro, e o meu amor, que ninguém mexa, aponte,
que ninguém demonize em nome de Deus`.
Só sei que se algum deus me aponta como doente, e ele é amor...
O meu é mais!
_
-"Como eu me sinto sobre isso?"
-Sã.

vai aparecer

Vai parecer que estamos nos despindo demais
nessa cidade que mais a noitinha já esfria.
Como se fosse cuidado.
Tem sempre que levar uma carta na manga comprida,
nosso assombro no bolso
e uma sombrinha, se for menina.
Vão ignorar que deixaram desde menino,
o menino achar que se toca no corpo da moça como aquilo,
que ele viu, com baixo volume na tv de madrugada.
"Com força, me bate, me rasga"
"educação sexual" da forma errada.
Vai parecer que tantas coisas que se afirmaram antes
estão sendo revogadas.
Vai parecer que as moçoilas lá da rua estão rebeldes,
cavando revolução.
Ouvi daqui, anjos dizendo amém

lua em peixes

Me dê um pouco do coaxar dos seus sapos.
Das teias de aranha, das tuas entranhas.
Das formigas de asas da tua lamparina.
Das cascas secando da tua cantina.
Das rezas de vó que tu ainda lembra.
Da noturna paz-nas-penas dos teus galos de briga.
Mê dê uma gargalhada da tua retina.
Um pouco de pão que assou de tarde.
Metade dos teus presságios de sorte.

Mê dê um pouco desse novelo cheio de nós,
e vamos desatando que tem noite quente e varanda que não se acaba.

Mê dê um pouco desse emaranhado que te trava a nova costura,
que eu tenho assunto de duas versões,
pra talvez mais dois verões,
mas sempre pra madrugadas.

Mê dê um pouco do que te embriaga,
que minhas canelas gostam das quinas da sua casa.
Mê dê um pouco, do que te sobra, e um pouco do que te falta,
que aqui também tá tudo pela metade
Faz tempo que não escrevo a dita poesia, acho que nem consigo.
Falta ritmo no ritmo que tenho vivido, não que falte movimento..
Falta tempo bom, faz um bom tempo.
E as vezes parece que sou um relógio imaginário, um maquinário que serve muito bem para servir.
Eu cá, tu ai.
fazemos `samba e amor até mas tarde, e temos muito sono de manhã` ... até parece que é só isso que nos cansa.
Sempre vi o mundo, mesmo quando ele não me vê,
até de olhos fechados, e bem pouco pela tv,
mas esse é meu jeito, cê crê?
Não gosto muito do mastigado desde que tenho dentes,
mas ainda que eu veja pequenos surtos de amor e samba até mais tarde, ver o mundo tem sido deprimente, com mãos, pés e cabeça dormente no fim do expediente.
Mesmo com um peito cão latente, que quase já nem late tanto.
Que rima boba, que metida,
parece um cisto na próstata de alguém, que eu insista.
Eu insisto.
O mundo é tão moinho, tão, tão moinho.
A gente é tão, tão grão.
Mas somos tantos, e então?
_
Se mente, brota, ou tá indo com farinha?
Eu de tanto salgar, mar.

Tu verte doce,correnteza.

Nós água.

Eu arredores, cíclica.

Tu mata adentro, mística.

Saudade aqui é pororoca.
Teu Sagitário brinca com o meu Leão
Sem vara curta alguma, só com as mãos
Porque gosta do ron ron que faz
É que tua flecha deu no peito
Não tem mais jeito
vamos ser uma quimera estranha
Que ri com suas duas cabeças
Que tem peito de bicho galopante
E muita estrada.

na casinha da mata

*- Parabéns dona Peônia..

P- Mas arra menina tá endoidanu? Se'eu nem tô nos aniversário..

*- Mas é que lá nasamérica diz q' é dia das bruxa... Daí a senhora vive pedindo pra eu catá os mato, faz esses chás pras moça, benze birruga, ai pensei...

P- Má cê tem uns pensamento muito avoado né nanica?! Que-q'eu-tenho-avê casamérica?

*-Casamérica té q'eu num sei, mas coisa assim com bruxa cê tem, num tem?

P- Tenho a parte de ser mulhé, menina, coisa assim de sentir coisa, que toda mulhé tem, mas umas sisconde... Um dia cê vai sabê.

*- Arra, mas eu quero sabê então, quando que eu vou sabê?

P- Quando começá a intendé de mulhé,
precisá de lutá,
Logo depois que começa a doer.
.....
Agora xispa daqui da minha cozinha que cê tá com barro até nazorelha...