segunda-feira, 31 de julho de 2017

Essa nossa cena reprisada
parece algo como peça de madeira mordiscada por um cão, nos cantos.
Lascado e úmido, nojento de se olhar.
Mas que sempre remete ao cachorro,
que era tão feliz.

segunda-feira, 24 de julho de 2017

Os dias se repetem.
Chegar em casa depois das dezessete.
Ler as notícias do mundo.
E querer ser um caramujo.
Ou fugir como um marujo.
Ou qualquer coisa que não mareje.
Até tremo na hora,
depois é que descompasso e balanço.
Pra me congelar tem que ser vento mais frio.
Minha bandeira é de tecidos fortes.
Esse teu sopro morno só me hasteou um dedo mais,
me foi só malemolência.
Ritmo que já danço
Abismo é coisa que não toco, não quero sequer pouso,
ainda que me perca de madrugada nessa de desbravar uma selva tua.
Deixo lá.
De funduras tenho cavernas onde nem morcegos habitam, inóspitas partes até para assombração...
Tu então... Seria de muito barulho, nessa silente parte,
à parte.
Por isso não te ofereço aqui, sequer uma tarde,
um tour ou cafezinho, não tem nada a contemplar de novo, não encontrarás espelho algum.
Abismo é coisa que se caí no fim de alguns poemas.
Te dedico palavras longe das beiradas.
_
Um gato escaldado
Temos nossos úteros controlados
porque um livro de fantasia disse que devemos ser eternamente gratas por uma costela dada.
Na vida real, é de mim que tu saí levando vitaminas e entranhas.
Nos limitar a casa, pois santa ceia é coisa pra homem que admira e segue homem.
( mas devemos sim, fazer o banquete)
Ser figura prostituída e maltratada.
Na sua mão vezes meu corpo, vezes alvo pras suas pedras lançadas.
Ser a mãe pura, e quando você homem erra, a puta.
Tú é só o filho, só o pai, a responsabilidade por sua irresponsabilidade é nossa.
Mas calma ai, ou se desespere (i really don´t care)
Estamos abrindo com unhas e dentes essas correntes.
As comedoras de maçãs resistem.

espírito

Desci nesse mundo de planos e expiações,
todos os dias defendendo o óbvio frágil,
porque o óbvio é transluzente
e muitos não o enxergam sobre sol algum.
Desci e tem vezes que sinto raiva no meio do amor que tento plantar,
sem conhecer perfeitamente as sementes,
ainda que as carregue nas mãos.
Carrego nas mãos o amor que me veio sem comprar,
sementes que enrijeceram para plantio, conforme eu abria os olhos,
essas que procuram solo, que procuram água, que procuram imensidão.
Eu erro, sim, porque o caminho da regeneração não é perfeito,
porque minha alma não é perfeita,
porque perfeição foi talhada na distopia,
e eu não desci aqui em vão.
Desci, e sei que plantar amor é lutar contra seu contrário,
umedecer vezes com lágrimas, as terras secas.
Todos os dias me é provação, o amor, nunca me foi fácil,
jogo suas sementes à esmo, depois saio catando.
Eu nunca fui fácil para o amor.
_
Por isso não te mando só focos de luz,
te mando também indagações.
Pois o amor antes de qualquer resposta
pode ser uma pergunta que nos fazemos.
Eu me pergunto todos os dias sobre o mesmo sol.
Existe mesmo alma, amor...
Ou essa carne é tudo que somos?
Sem resposta ainda, planto sementes.
_
Algo há de brotar (...)

sentidos

Meus sentidos coagidos à evolução,
estão bagunçados, misturados.
Só lembro do olfato, quando o cheiro grita.
A cebola frita,
a proximidade da clavícula...
Meu paladar saliva
molho a retina.
Me ouço vez em quando roncando,
estomâgo e peito.
Vazios distintos,
padronizados socialmente.
São tempos de enlatados
pro corpo e pra alma.
O que é alimento já vem descascado,
vi ontem ainda, no panfleto desse imenso mercado,
de comida e de gente.
Estou perdendo o tato
em um mundo de pelica
-
Mas ainda sinto muito.

trem fantasma

Te digo adeus sem lenço da janela de um trem.
Vou firme como quem sabe a estação onde parar,
como quem já tem pouso certo, nesse novo lugar que se vai,
depois de um adeus frio.

Te digo adeus sem carta, sem rosa vermelha na tua cama, sem festa de despedida,
nem lágrimas, só um abraço que tu pediu, e eu cedi,
como se meus braços não tivessem nunca te enlaçado.
Sempre te digo adeus como quem guarda todos os mapas,
como quem tá decidida, mulher que não olha pra trás,
como se estivesse certa do que fiz..

Até ando com postura depois, para se por acaso tu me observar indo,
como quem fica as vezes faz.
E é sempre depois de um tempo que reparo que meu trem nunca partiu,
que tu nunca me fitou de janela alguma,
que tu acha caminho antes mesmo que minha condução firme de aços e trilhos, ande.
Talvez se eu tivesse te convidado pra mais um passeio,
ao invés de me sentar sozinha num vagão de um trem enferrujado.
Eu sempre erro de conduta, ou condução.

Ontem esqueci teu cheiro,
nem assim o trem andou.

ou samba-canção

De lânguido flerte
naquele bar,
que se fosse canção
e não gente
beijaria de vão em vão
das entranhas
peito e dentes
de teu bolero.
Mas eras gente,
amedrontada de ter
que começar novamente.
_
Ou essa fui eu sempre?

papo

A -Eu até gosto de poesia, mas não entendo...
B -É tipo andar de bicicleta sem as mãos por um instante, antes de cair e ralar o joelho.
A -Mas, cair e ralar o joelho doí, como pode que seja bom?
B -É, mas as vezes doí só no dia seguinte...
Como se tentasse reter um pouco mais o instante,
e por um instante conseguisse....
Depois, faz aquelas casquinhas que saem no banho,
deixam uma cicatriz clara, que um dia somem, ou não, contam uma história, sabe?
A- todas são assim, feridas no final?
B- Não todas, mas alguns de nós...
Invernei-me nesse inverno também.
Sei que é repetitivo, como se eu fosse uma planta,
ficar plantada aqui esperando outro solstício pra me soltar.
...
Não esqueça de me regar
que já não mais suicido nas geadas por qualquer temperatura baixa.
...
Eu tô viva como uma planta
a qual ignoram que vive
porque nunca serviu de tempero
pra essa fome que sentem.
...
Mas vive.
Mais indigesta que nunca.
Um poema pode até ser um ralo


entupido de alguém.

o barco e os navegantes

Quando passar tudo isso
eu vou sorrir um riso bonito
desses que você já conhece
tu mineradora deles.
Quando passar, porque tudo passa...
Eu vou voltar a depositar o olhar leve,
sobre toda as coisas que pesem, mais do que as horas passadas.
Quando passar tudo isso, eu vou estar um pouco mais calejada
talvez ande mais desengonçada,
mas andar é preciso, diante de tantas estradas.
Quando passar tudo isso, as tantas horas pesadas,
vou guardar essa lembrança grata, agraciada,
a sua mão atada.

Desde já obrigada, desde já obrigada.
O medo é aquele vizinho que cumprimento com a cabeça e sorrisinho amarelo,
mas nunca convido pra um café em casa.
Por falta de intimidade mesmo.
Eu vejo o despreparo nos seus olhos,
e por isso aflito peito dentro,
conflito artesanal peito fora.
Queria que tu tivesse jeito,
que se ajeitasse nesse caldeirão,
aprendesse a mexer o que já borbulha...
Já que quis brincar com a bruxa.