terça-feira, 12 de julho de 2011

Um favor.

Quando me virei ela não tava mais lá, me virei de tantas formas pra tentar amenizar o “ela não está mais aqui” que quase entortei, acho até que entortei um pouco sim.
Minha boca ficou meio torta de tanto que apertei os dentes para não gritar, e meu seio esquerdo ficou meio torto também de tanto eu tentar reter o coração, e esse tentava pular peito fora, feito louco, procurar ela. Não pude permitir que ele fosse e se machucasse, chorasse ali quietinho comigo a noite toda, e esperasse, ia passar. E assim fizemos tudo meio torto, eu com a boca cerrada, o seio torto, e os pensamentos que vez ou outra entortavam pra uma saudade.
Aos poucos foi passando, na verdade vinha passando, e aos poucos eu fui achando outras coisas que ocupassem o cerne dos meus pensamentos, mas toda noite, quando largava essas outras coisas bagunçadas pela casa ela voltava, não ela a pessoa, ela a lembrança, ela a pessoa eu sei que se partiu não ia voltar.
Aí o tempo foi passando, não sei dizer quanto tempo que foi passando, mas passou-se algum tempo, e eu dizia não pro pensamento, sempre que ele ia pé por pé ao escuro da noite, revirar aquela caixa cheia de lembranças dela... No meu sono leve eu ouvia os passos dele, e acordava antes que ele a colocasse em sonhos, ai eu pegava ele no pulo e dizia não! Ele voltava resmungando pra outras coisas, como pra me dizer pra levantar e fazer um chá de morango no meio da noite, e eu ia-e-fazia o chá, e dormia.
E foram vários dias, de brigas e nãos á todas as partes do meu corpo que queriam ela, como se fossem filhos pequenos eu tentava ensinar, que o outro é outro corpo, outras partes como todas essas minhas, mas que são do outro, e o outro é livre, e que ela que bem sabe se vai, ou se fica, e eu repetia que o outro é livre todo santo dia, quando a mão me segura o queixo tão forte, e a outra me bate a cara, e o pensamento me solta na voz a pergunta:
- E quando você vai nos libertar dela?
E eu não sabia, não fazia a mínima idéia, então chorei encostada no meu próprio ombro, eu chorei tanto que minha mão afagou meus cabelos, não saber deixar me livre dela, era mais doloroso que aceitar a liberdade alheia, que eu já tinha aceito, que acreditava já ter aceito. Não sei dizer quanto tempo chorei assim, mudando de um ombro pra outro, só sei que até meu estômago complacente com o meu pranto, não pediu alimento algum, nem café, nem bebidas alcoólicas, como ele fazia nos outros prantos. Eu e meu corpo, meu corpo e eu, jogados feito saco de pipoca no sofá por um tempo que eu também não sei dizer quanto tempo foi, mas que enfim entendemos que ela se foi, e que tínhamos que nos virar.
E nos viramos muito bem, até limpamos a casa, subimos no cargo da empresa, flertamos com a vizinha morena e á levamos pra cama, e gostamos um bocado, e a gente saia nos finais de semana, e conhecemos amigos novos, e ai... Ontem eu vi ela que partiu, passando na rua de mãos dadas com outras mãos que nãos eram as minhas, e enfiei as minhas no bolso pra que chorassem quietinhas.
E todas essas palavras, que te contam essa história de um corpo que não-sabe-se-lidar, são apenas um favor que to fazendo ás minhas mãos e meus pensamentos, por deixá-los tristes hoje de novo, depois de tanto tempo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário